Uma semana atrás, vimos fracassar uma nova proposta de revisão de regras do Novo Mercado apresentada pela B3.
Como bem lembrou o advogado Marcelo Trindade, em recente evento do Valor sobre compliance e governança, as empresas reagem a incentivos, seja de punição ou de ganhos econômicos, inclusive quando se fala de ética, transparência e boas práticas. Uma semana atrás, vimos fracassar uma nova proposta de revisão de regras do Novo Mercado apresentada pela B3.
A maioria das empresas – 74 de 152 que votaram – rejeitou em bloco todas as propostas realizadas. Sem juízo de valor (ao menos por enquanto), e seguindo a lógica acima, e sabendo que se trata de algo voluntário – e portanto sem punição associada -, é um sinal de que as empresas não viram motivos econômicos para adotar as medidas sugeridas, ou ao menos não a ponto de compensar o custo.
O episódio me faz lembrar da fundação do Novo Mercado, há 25 anos. O segmento de governança diferenciada ficou um bom tempo em banho-maria até engatar de fato. Foi só a partir de 2004, após o IPO da Natura, que a coisa realmente decolou.
Vale lembrar que, nas décadas anteriores, os investidores minoritários tinham passado bons apertos com o baixo nível de respeito que eles tinham quando garantidos apenas pela Lei das S.A. pré-revisão de 2001, em especial quando a própria lei foi momentaneamente alterada para tirar direitos como o “tag along” durante a privatização na década de 90. Quando veio então um segmento de listagem que tinha como base o princípio de “uma ação, um voto”, tag along de 100%, entre outros direitos, isso certamente foi bem visto pelo investidor e considerado um diferencial.
Mas, como os primeiros anos do programa sugerem, não bastava a boa recepção entre os investidores para o modelo funcionar. Era preciso combinar com os russos, ou seja, ter uma vantagem econômica, do outro lado, para as empresas e seus controladores, para que as listagens saíssem. E foi o tempo que acabou resolvendo isso, seja pelo próprio entendimento do que tinha mudado, seja pela conjuntura favorável de mercado para as operações saírem, e também porque as empresas perceberam que tinham múltiplos de avaliação superiores aos daquelas que não tinham o selo de governança.
Basta dizer que, sem contar migrações de empresas já listadas, dos quase 250 IPOs que ocorreram no Brasil desde 2004, 80% foram no Novo Mercado e 10% no Nível 2.
Esse sucesso, no entanto, gerou outra consequência. De certa maneira, o selo deixou de ser um diferencial das companhias. Se todo mundo está na mesma regra, acaba não havendo diferença para ser premiada.
Ao mesmo tempo, do lado negativo, se no início a mera listagem no Novo Mercado passava um ar de segurança para o investidor, a prática ao longo dos anos mostrou que não é bem assim. Muitas empresas listadas no Novo Mercado passaram por reestruturações societárias, fusões e aquisições em que os minoritários não tiveram o tratamento esperado, e não conseguiram se proteger.
Além disso, do ponto de vista de controles internos, também ficou claro que o selo do Novo Mercado não aumenta a segurança do investidor sobre a qualidade das demonstrações financeiras de uma empresa.
Parte das medidas sugeridas pela B3 e rejeitadas pela maioria das empresas tinha relação com isso, como a declaração dos administradores assegurando os controles internos, o que traria para o Brasil uma regra que já vale há mais de 20 anos para companhias dos EUA.
Diante da sinalização da maioria das empresas de que a reforma do Novo Mercado não representa uma vantagem econômica, talvez seja o caso de uma rediscussão de caminhos.
Uma crítica que as empresas fizeram foi em relação ao modelo de votação das mudanças de regras, já que as abstenções contariam como aprovação tácita das propostas, ainda que o quórum de aprovação fosse de dois terços. De início, é curioso que empresas que sempre defendem segurança jurídica e estabilidade de regras quisessem mudar a regra de votação, com a qual concordaram ao se listar no segmento, no meio do jogo. Mas pior é achar que uma empresa que sequer tenha tido tempo de olhar as propostas durante mais de um ano de audiência pública da B3 tenha condições de continuar no Novo Mercado.
Ao mesmo tempo, num cenário em que as empresas ainda podem divulgar que estão “no mais alto nível de governança corporativa da bolsa brasileira”, mas sem realmente ter diferenciais em relação à média, uma ideia seria criar mais um segmento, o novíssimo mercado, de forma a diferenciar aquelas companhias que realmente querem fazer algo a mais, e eventualmente colher os frutos em termos de avaliação.
Pode ser que o timing não seja o melhor e o segmento demore para “pegar”. Afinal, o fato de o Brasil não ter tido nenhum IPO nos últimos três anos e meio mostra que há uma distância grande de percepção de valor entre compradores e vendedores e talvez esse gap não se resolva só com governança.
Por outro lado, a explicação mais comum que se ouve para a seca de IPOs tem a ver com questão fiscal, conjuntura de mercado etc. E tudo isso é verdade. Mas o Brasil já teve, ao longo dos últimos 20 anos, vários períodos muito mais críticos do ponto de vista macroeconômico do que hoje, e ainda assim os IPOs aconteceram. Então, quem sabe, talvez, a governança seja sim um ingrediente para ser levado em conta.
Fonte: ValorINVESTE
Por: Fernando Torres , Valor Investe
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